POESÓ

TUDO PODE VIRAR PÓ
OU
POEMA





















sexta-feira, 28 de junho de 2019

Escolho Orquídea

Eu tenho todo o tempo do mundo
Eu sei cada vez mais me convenço
que eu fiz a melhor escolha
como se fôsse um lenço que escolhesse
a mais comovente lágrima
como se fôsse a madrugada quente
que escolhesse o mais refrescante orvalho
como se o tango invadisse a sua sacada
como se esticasse ao máximo os foles
e comprimisse os botões um bandaneon apaixonado
Sim eu sei que fiz a melhor escolha
e sou agora qual uma folha que jamais
quer se despreender da árvore dos seus encantos
mas se isso não ocorrer
espero cair e pousar
sobre a maios linda flor
que lembre você
que tenha o seu perfume
que mescla todas as fragrâncias
florais amadeiradas verdes cítricas e temperadas
que tenha a pétala de sua pele
que seja então de uma orquídea
melhor ainda que seja de uma espécie rara
que todo beija-flor almeja
Eu tenho todo o tempo do mundo
e a paciência de uma abelha
que extraí o néctar de toda a sua beleza
e semeia os mais lindos versos
Que seja orquídea
da cor do echarpe
do cachecol
que envolve o seu pescoço
e derrama sobre o seu ombro
e prenda e laçe
todos os meus sentidos

Carlos Roberto GUtierrez

A imagem pode conter: planta e flor

Gata

Ah ela é muito gata
hein gata! que engata
todos os meus sentidos
Gata
felina que atiça e me enfeitiça
arrepia a minha pele
e eriça os pelos
e tudo que arranhe
Ah! ela é muito gata
sempre gata
dentro ou fora de casa
no sofá ou no telhado
os seus miados são agrados
e os seus olhos pinkfloydianos
hipnotizam todos os planos
são túneis sedutores
que os meus olhos ciganos
sempre querem ultrapassar
Ah! ela é muito gata
e arrebata qualquer olhar

Carlos Roberto Gutierrez

A imagem pode conter: óculos de sol

Um Poema

um poema só não lhe interpreta
pois em cada olhar sugere um novo verso
um poema só não lhe interpreta
há tantos encantos em seus lados explícitos
discretos e secretos 
que só um poema é pouco é insuficiente
para revelar sua beleza interior
e todo o esplendor que os seus olhos revelam
um poema só não lhe interpreta
pois em cada flor que a sua presença sugere
estará ainda ausente alguma pétala
algum perfume guardado no frasco do segredo
que a sua flor fascínio arrume
para tornar o jardim ao nível de Monet
um poema só não lhe interpreta
cada verso que se lança no lago da sua face
borbulha um novo reflexo

Carlos Roberto Gutierrez

quinta-feira, 27 de junho de 2019

Great Piano of Hazel Scott

Mochila

Mochila
O mundo
um dia...
já foi variado!
poderia ir se ao fundo
dele encantado
e ainda assim parecer
ser raso
para os nossos mergulhos
intrépidos e sem prazos.
o mundo
já foi um leque
sedas de paisagens
sólido arco-íris
de terras areias
espumas
flocos de neve
pétalas e espinhos
tecidos
peles lisas e rústicas
carinhosas e selvagens
pedras brutas e buriladas
folhagens
flores rápidas e cáctus.
o mundo um dia...
já foi pitoresco!
deixava os meus olhos surpresos
sob o peso de impactantes imagens
e deixava os meus ouvidos atordoados
pelos sons desvendados pelas palavras.
Eu sonhava acordado
embebido de promessas
e descobertas
mas o tempo...o tempo...
desgasta os olhos
pedem lentes óculos
e voluntários acessos de cegueira
e vertem sólidas lágrimas.
A minha mochila
repousa presa
em prego fincado na parede
enquanto o meu ser cochila
e já não sonha tantas viagens.
O que ficou de mim acordado
é apenas a sombra clandestina
que procura ficar ao seu lado!
A mochila cochila
no prego pendurada
e para o meu assombro
já nem se lembra mais do amparo
dos meus ombros
das nossas jornadas alternadas
em paradas e disparos,
Dentro dessa mochila
couberam tantas aventuras
aromas se misturarram
roupas sujas e lavadas
asas de borboletas
que flagraram nossos beijos
lascas de madeira que gravamos nossos desejos
fotos de lugares emergentes
fotos remorsos de locais decadentes
postais sem mais endereços para viajar.
A mochila vive a agonia de ficar parada
como uma alegoria
cavando as memórias do seu subsolo
A alça já não parece ser mais segura
o ziper emperra
e os botões de pressão
já não tem mais convicção
dos seus beijos metálicos.
Guarda ainda um farolete
cujas pilhas já derreteram
lágrimas enferrujadas
um sabonete que perdeu o seu perfume
um pacote de caramelos
que perdeu a sua doçura e validade.
A mochila cochila
e não sabe se vai despertar

Carlos Roberto Gutierrez 

Versos Cosmopolitas

entre fios
postes e cabos
linhas em atrito
em paralelos
nós e diagonais
linhas em conflitos
possíveis choques e atritos
em constantes desafios
para o olhar
para a lente carente
ou um fio partido
caído ao chão
que ao abraço do poste
laço concreto
não pode voltar mais
entre fios
postes e cabos
conexões e altas tensões
energias e pacotes de dados
talvez até um clandestino rabo de pipa
ou um par de tênis alçado
a paisagem se modifica a cada instante
galho quebrado
ligações clandestinas
fios de esperanças do outro lado
alguém distraído
outro assustado
a paisagem se faz estática viagem
no emaranhado dos pensamentos
e pensaventos
em brisaudades
Carlos Roberto Gutierrez

foto Nelson de Souza

Nenhuma descrição de foto disponível.

Instigante

algo me instiga
mastiga minutos e horas
nesse pedaço corpo árvore
muro vegetal
são flores
provavelmente rosas
incrustadas
sobre a pele rugosa
ou mesmo pétalas lembranças
brancas de medo
porque perderam cedo
as cores e o perfume evaporou
algo me instiga
me fadiga quando o meu olhar demora
o que eram rosas viram corujas
esse hesitar entre fugir e procurar
procuras e fugas
rugas e rusgas
entre três olhos verticais
como um semáforo
carente de cores
a frente
quase rente
esse torcido arame verde
arremedo de cerca
de rede
janelas vazadas
que não protegem nada...
por que então
os olhos arregalados
e a alva seiva lágrima?
Carlos Roberto Gutierrez

foto Nelson de Souza 

A imagem pode conter: planta e atividades ao ar livre

Poesia na Pele


afastar os vermes
e juntar ilhas
poesia sobre a pele
roteiro gravado em poros
tudo que exploro
em versos concretos
palavras trilhos
brilhos de todas as letras
uma mochila que não pesa
poesia na pele
poema que se move
e se torna elástico
no encanto plástico
de uma obra de arte
que faz parte
do corpo
que é mais do que matéria
tecidos ossos artérias
músculos
crepúsculos de esperas
do corpo que protege
a alma que emerge
sempre terna
Carlos Roberto Gutierrez

segunda-feira, 24 de junho de 2019

Antonio Cândido

No dia 24 de junho nasceu Antonio Candido. É a primeira vez que citamos o seu nome numa data tão expressiva como essa. E fizemos isso pelo conhecimento de que todos os estudantes de Letras no Brasil (e achamos que por aqui passem muitos) o têm como figura querida e um pensador indispensável na elaboração do conhecimento literário em nosso país. Deixamos aos leitores duas entradas do blog como forma de homenagem:
1. Copiamos uma entrevista exclusiva com o professor em 2014:
http://letrasinversoreverso.blogspot.com/…/licoes-do-mestre…
2. Estudioso da obra de Graciliano Ramos (quem não lembra do livro "Ficção e confissão"?), um vídeo em que AC comenta "Angústia"
http://letrasinversoreverso.blogspot.com.br/…/angustia-de-g…



A imagem pode conter: 1 pessoa, close-up e área interna

Ela

ELA PENSA
PRENSA
CONDENSA
IMPRESSIONA
ABARCA
FRAGMENTA
ALIMENTA DE SONHOS
ELA NÃO PENSA
AGE REAGE
INTENSA
COMPENSA
ATRAVESSAR A CIDADE
OU SE ISOLAR NO QUARTO
ELA OLHA
IMPÁVIDA
ÁVIDA
POR NOVAS DESCOBERTAS
SUBLIMES
OU POR NOVAS GRAFIAS
POR POSTURAS POSTULA
UMA NOVA COREOGRAFIA
E FAZ DE QUALQUER PAPEL
UM ESPELHO
ELA REBATE A LUA COM O SEIO
FICA NO CENTRO NO MEIO
NO ESTEIO
ENQUANTO O SOL AINDA ARDE
EM SEUS CABELOS
PUXADOS AO VERMELHO
ELA INFLAMA
E CONGELA A CHAMA
E DERRAMA CARINHO
AFETO SOBRE O TETO
SOBRE AS SOMBRAS


Carlos Roberto Gutierrez

quarta-feira, 19 de junho de 2019

Descortina

descortina
esvoaçante
aerosol
escolha a canção preferida
colha o silencio dos meus olhos
fascinados
na transparência
e nos relevos
releve as grades
os vidros
vidrados
pelo vibrar
da sua beleza
invada
assuste
um quarto indefeso
um abajur titubeante
um criado mudo
que sonha ser ventrículo
de um cubículo
onde possa se concentrar um sonho
descortina
descontínua
desvia todo um destino
redemoinho
clandestino
o primeiro badalo de um sino

Carlos Roberto Gutierrez
Nenhuma descrição de foto disponível.

Um Sonho

um sonho
embaralha
esclarece
atrapalha
concentra
espalha
navalha
a realidade
um sonho
ilude
prognostica
encolhe
estica
recolhe
desmistifica
retifica
modifica
um sonho
sonda o sono
um sonho
um encontro
ou um abandono
um sonho
alimenta
o inconsciente


Carlos Roberto Gutierrez

poema visual Gil Jorge

Nenhuma descrição de foto disponível.

segunda-feira, 17 de junho de 2019

Valentine

Valentine contempla a Torre Eifell
poética estrutura de ferro
farol da metrópole
enquanto o violino descansa
e partilha o silencio sincero
encostado ao beiral
encosto metal ornamentado
Sobre Valentine
e o violino Stradivarius
e em volta da torre
sobrevoa uma águia
no céu escuro
que prenuncia chuva
possível tempestade
Tudo é silêncio
tudo pode ser cilada
os planos de Valentine
os movimentos do arco
as vibrações das cordas
o esvoaçar das asas da águia
o solitário suícidio
o grito perdido
no esqueleto da torre

Carlos Roberto Gutierrez

Valentine estime que la Tour Eiffel
structure poétique de fer
Phare de la métropole
tandis que le violon repose
et le partage du silence sincère
appuyé contre le rebord
arrière en métal orné-
Valentine
et le violon Stradivarius
et autour de la tourelle
un aigle vole
dans le ciel sombre
qui prédit la pluie
possible tempête
Tout est silence
tout peut être un piège
Valentine plans
mouvements de l'arc
les vibrations des cordes
les battements d'ailes de l'aigle
le suicide solitaire
le cri perdu
squelettique tour

Nenhuma descrição de foto disponível.

Gerald Albright live: Round Midnight

Desfruta

desfruta e não se frustra
com tudo que a noite ilustra
entre muros e cercas elétricas
identidades ecléticas
desfruta da fruta antes que apodreça
que amadureça demais e perca
o sabor do pecado
nas raízes dos seus lábios
nas cicatrizes das ruas da cidade
nos logradouros
nos sumidouros
bueiros e logros
desfruta da casca
da cor da polpa
das sementes
entre galhos e serpentes
quem sabe de repente
você sinta o paraíso
sendo tão delinquente
a fruta vira geleia ou aguardente
tacinha de licor ou copo de cólera
beijo ou choque nos lábios carentes
entre as cercas dos dentes
e a língua dormente
fruto em curto-círcuito
fruto com o caroço
de alvoroço e fome premente
Carlos Roberto Gutierrez

enjoy and do not get frustrated
with all the night shows
between walls and electric fences

eclectic identities
enjoying the fruit before it rots
that ripen too much and miss
the taste of sin
the roots of your lips
scars on the city streets
in public parks
in sinks
culverts and Shams
enjoys the bark
of flesh color
seed
between branches and snakes
who knows suddenly
you feel like paradise
being so delinquent
fruit jam turns or brandy
tacinha liquor or cup of wrath
Kiss or shock to needy lips
fences between the teeth
and tongue numb
result in short-circuit
fruit with the seed
bustling and urgent hunger


Nenhuma descrição de foto disponível.

Retrato em Branco e Preto (Tom Jobim e Chico Buarque). Arranjo: Iara Gomes