Para ler ao som de “One more cup of coffee”, de Bob Dylan
Por Paula Taitelbaum*
A garota moída de véspera aguarda mais um grão de amor expresso. O
professor amargo tenta manter-se acordado sobre o jornal pingado na
penumbra de um canto. A garçonete passada queima seu dedo na lágrima
fervente da máquina estilo locomotiva à vapor. A senhora fraca deixa um
pouco do seu batom na xícara branca de louça barata.
A secretária doce percebe o resto de ai que cai de uma boca
espumante. O executivo frio sente o líquido escuro escorrendo por suas
veias abertas. A vendedora vazia oferece seu corpo de bandeja enquanto
derrama um tanto de suas lamentações. O ator aguado sente a fumaça
entrar por suas narinas até experimentar a última gota de fala decorada.
O aposentado leitoso faz tremer o pires gasto que um dia foi do gato.
A estudante descafeinada levanta a mão num pedido mirrado e distante. O
homem aromatizado finge não prestar atenção na mulher que lambe o dedo
lambuzado de chantilly. O poeta denso ignora dois dedos de prosa e
rabisca versos imaginários num guardanapo estampado de rodelas marrons.
A moça extra-forte adoça o olhar mexendo suas ideias em movimentos
circulares. O desempregado duplo deixa escorrer o resto da auto-estima
goela abaixo. A amiga pela metade pensa que as relações não passam de
uma meia-taça. A viúva pura assopra suas lembranças para sorvê-las em um
grande gole.
O garçom torrado abraça a vassoura por trás do balcão descascado. A
filha embebida em restrições pede à mãe uma porção de sonhos frescos. A
adolescente encorpada aperta as coxas quentes querendo servir um
sanduíche de si mesma. O músico solúvel em críticas esconde as olheiras
por trás dos óculos de lentes mal dormidas.
O casal morno alimenta-se de silêncio mastigando um pão adormecido. A
esposa granulada acaricia a baguette num requentado pedido de perdão. A
velha triturada estende a mão suplicando uma migalha de atenção. A
virgem amanteigada deixa sua calda escorrer sem que ninguém perceba onde
ela vai parar.
O desquitado italiano hesita antes de pedir um bem-casado. O turista
orgânico sorve um sabor estranho enquanto tenta entender a língua que o
cerca. A amante cremosa procura o bilhete da sorte entre os restos da
mesa ao lado. O garoto cigano de cabelos encaracolados e brinco de ouro
lê a sorte na borra decantada antes de partir para o vale lá embaixo.
É uma manhã como outra qualquer no Dylan’s Café
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