POESÓ

TUDO PODE VIRAR PÓ
OU
POEMA





















quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Contemplar

VEJO PASSAR
E SOU PRESENTE
COM OS ÓCULOS ESCUROS
DE FUMÊS FUTUROS
VEJO PASSAR
TANTAS PESSOAS
ROUPAS
CORES SÓBRIAS E BERRANTES
AUTOMÓVEIS
ALUCINANTES E HESITANTES
TRANSEUNTES DISTRAÍDOS E TRANSTORNADOS
VEJO PASSAR
O PASSADO MORA AO MEU LADO
O PRESENTE FOGE DA MINHA PORTA
O FUTURO ESTILHAÇA A MINHA JANELA
 
 
Carlos Gutierrez
 
 
VER PASSAR - Crônica desta terça-feira no jornal Hoje em Dia


O teatro da rua é constante, mutante. Personagens e performances se alternam. Delicioso sentar-se em frente de casa, numa mesa de bar na calçada, “ver o movimento”. Esquecer a vida, vendo-a se mover nos outros – na diversidade da fauna humana. Alguns espécimes interessantíssimos, exóticos, acesos; a maioria, comuns, triviais, apagados.

Passar e ver passar definem situações opostas. Quem passa não sabe que o assistem, não vê quem o vê. É objeto vulnerável, presa indefesa da mira do outro. O que vê passar aponta e dispara o tiro da crítica.

O repertório de exibições da rua traz bandas, blocos, paradas, passeatas...

A memória sofre à lembrança do dia de “ver passar” o presidente. Duas, três, horas penando no cordão de isolamento. Uniformes impecáveis, penteadíssimos – bonecos de massinha derretendo sob o sol de Vitória. Bandeirinhas do Brasil, de início, espertas, vivas; ao final, cacos verde-amarelos boiando no mar de garotos, mortos de cansaço – pequenas vítimas do patriotismo. Batedores à vista! “É ele, gente! As bandeirinhas! Acenem, acenem! Vai passar”! Passou... No caderno de recordações Juscelino é sede insuportável, fogo subindo dos sapatos Vulcabrás.

No caminho do Banco, um elefante. O office-boy, fascinado, vê passar o circo – cavalos brancos, alegorias, artistas do picadeiro, o leão, o tigre na jaula, macacos... três da tarde, em pleno Centro, a fantasia o captura. Seduzido, divide-se ali mesmo: o “office” com sua pasta de papéis se instala no chão; o “boy” segue o sonho, vai embora com o circo.

Paradas militares fascinam pela cadência, pela ordem. Nos desfiles, armas, máquinas mortíferas se tornam inofensivos objetos da estética bélica. Multidões se postam pra ver passar o poder de fogo das potências – vernissage das guerras. A morte – ninguém foi ali para vê-la, mas está presente como destaque em sua alegoria sinistra e invisível.

Dos espetáculos da rua, um se nota pela extrema delicadeza – noturno, pacífico, saudável, absolutamente silencioso. Dezenas de enormes formigas cabeçudas e velozes. Estar no seu caminho é sinal de sorte – crendice contemporânea. Fique atento! O bando surge do nada – magrelas, espertas, olhos acesos e alma humana. Bicicletas – bom vê-las passar! Melhor ainda... passar com elas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário