A
Abril Mídia divulgou hoje, oficialmente, o fim da revista BRAVO! em
todas as plataformas. A publicação – uma das únicas no país dedicada
exclusivamente às artes, onde trabalhei entre agosto de 2005 e julho de
2013, como editor-sênior e redator-chefe – nasceu em outubro de 1997.
Estava, portanto, à beira de completar 16 anos. Foi criada numa pequena
editora de São Paulo, a D’Ávila, já extinta, e migrou para o grupo Abril
em janeiro de 2004. Quando chegou à seara dos Civita, desfrutava
de prestígio, mas padecia de má saúde financeira. Não sei dizer quanto
dava de prejuízo à época. Só sei que, na Abril, o quadro não se alterou
substancialmente, mesmo quando o título adotou uma linha editorial um
pouco mais pop, um pouco menos “cabeça” que a de origem.
Com
todos os defeitos que pudesse ter – e que realmente tinha, à semelhança
de qualquer publicação –, BRAVO! não perdeu o respeito do meio cultural.
Havia divergências de vários artistas e intelectuais em relação à
revista. Os próprios jornalistas que passaram pela redação nem sempre
concordavam 100% com a filosofia do título, ditada obviamente pelos
donos. Uns o acusavam de conservador, outros de elitista, superficial ou
condescendente demais. Mas havia também muita gente boa que gostava de
nossas edições. O fato é que mesmo os opositores jamais recusaram sair
nas páginas de BRAVO!. Quem trabalhava para a publicação raramente ouvia
um “não” quando fazia pedidos de entrevista. Até Chico Buarque, famoso
por se expor pouquíssimo na mídia, topou protagonizar uma capa junto de
Caetano Veloso (deixou-se fotografar, mas não abriu a boca, convém
lembrar). Todos, de um modo geral, reconheciam que a publicação buscava
primar pela seriedade.
Mesmo assim, em termos comerciais,
BRAVO! nunca gerou lucro – pelo menos, não na Abril (como disse,
desconheço os números da D’Ávila). A revista, embora contasse com o
apoio da Lei Rouanet, operava no vermelho. Em bom português, dava
prejuízo – ora de mihões, ora de milhares de reais. Por quê? Vejamos:
1) BRAVO! dispunha de poucos leitores? Sim e não. A revista contava com
cerca de 20 mil assinantes e 8 mil compradores em bancas e
supermercados. Vinte e oito mil pessoas, portanto, adquiriam a
publicação mensalmente. Se levarmos em conta os parâmetros do mercado
publicitário, cada exemplar tinha, em média, quatro leitores. Ou seja:
uma edição atingia algo como 112 mil pessoas. No Facebook, a publicação
contava com 53.600 seguidores e, no Google +, com 30.900. Eram índices
desprezíveis? Depende. Em comparação com revistas de massa, a maioria
editada pela própria Abril, os números de BRAVO! nem chegavam a fazer
cócegas. Mas, considerando que o título se voltava para um nicho
relativamente restrito, o da alta cultura mais sofisticada, as cifras
não parecem tão ruins. Em geral, BRAVO! falava sobre manifestações
artísticas que, mesmo se destacando pela qualidade, não atraíam público
quantitativamente significativo. A revista dedicava quatro, seis, oito
páginas para filmes como "Tabu", do português Miguel Gomes, exposições
como a retrospectiva de Waldemar Cordeiro no Itaú Cultural, livros como
"O Erotismo", de Georges Bataille, peças como "A Dama do Mar", de Bob
Wilson, e espetáculos de dança como "Claraboia", de Morena Nascimento.
Procure saber quantas pessoas viram tais filmes, mostras e espetáculos
ou leram tais livros. Cinco mil, 10 mil, 20 mil? Como BRAVO! poderia ter
zilhões de leitores se o universo que retratava não tem zilhões de
consumidores? A publicação, por sua natureza, enfrentava o mesmo
problema que amargam todos os artistas do país dispostos a correr na
contramão dos blockbusters.
2) BRAVO! perdeu leitores em papel
com o avanço das mídias digitais? Perdeu, seguindo uma tendência
internacional. A perda, no entanto, não se revelou tão expressiva e
ocorreu num ritmo menor que o de diversos títulos.
3) Era mais
caro imprimir a BRAVO! do que outras revistas? Sim, bem mais caro, por
causa de seu formato e de seu papel, ambos incomuns no mercado.
4) BRAVO! tinha poucos anúncios? Sim. Raramente, a publicação cumpria
as metas da Abril nesse quesito. O motivo? Falhas internas à parte, os
grandes anunciantes costumam demonstrar pouco interesse por títulos
dedicados à “alta cultura”. “O leitor de revistas do gênero, sendo mais
crítico, tende a frear os impulsos consumistas”, explicam os
publicitários, nem sempre com essas palavras. Pela mesma razão, tantos
cantores, artistas visuais, produtores de teatro e bailarinos encontram
sérias dificuldades para captar patrocínio.
A soma de tais
fatores tornava BRAVO! deficitária. Ao longo dos anos, tentaram-se
diversas medidas para estancar o sangramento. O número de páginas da
revista diminuiu de 114 para 98; as datas em que a publicação rodava na
gráfica da Abril se alteraram algumas vezes com o intuito de reduzir os
custos de impressão (é mais barato imprimir em certos dias do mês que em
outros); a redação encolheu; os projetos gráfico e editorial sofreram
ajustes; criaram-se ações de marketing pontuais na esperança de aumentar
a receita publicitária. Cogitou-se, inclusive, mudar o papel e o
formato de BRAVO!. O publisher Roberto Civita (1936-2013), porém, sempre
vetou a alteração. Acreditava que fazê-la descaracterizaria em excesso a
revista.
A Abril poderia ter insistido um pouco mais? Pecou
por não descobrir jeitos inovadores de sustentar a publicação? É difícil
responder – em especial, a segunda pergunta. A crise está instalada na
imprensa de todo o mundo. Gregos e troianos dizem que a mídia
tradicional precisa se reinventar. Eu também digo. Mas qual o caminho
das pedras? Não sei. No máximo, posso arriscar uns palpites. E seguir
investigando, e seguir apostando. O mesmo vale para os empresários da
comunicação.
Gostaria que a edição de agosto não fosse a última
de BRAVO!. Entristeço-me com o fim da publicação porque aprecio
muitíssimo a arte. Filmes, livros, peças, músicas, instalações,
pinturas, balés e quadrinhos me ensinaram mais sobre viver do que a
própria vivência. No entanto, não bancarei o viúvo rancoroso. Não
lamentarei a baixa escolaridade do brasileiro, o pragmatismo dos
publicitários e dos patrões, o advento da revolução digital. Tampouco
abdicarei de minhas responsabilidades frente aos erros e acertos da
revista. Fiz e ainda faço parte do complexo jogo em que a mídia se
insere. Procuro encará-lo com amor, senso crítico e serenidade. Nem
sempre consigo, mas...
De resto, queria agradecer tanto à Abril
quanto a todos os leitores e profissionais (artistas, editores,
repórteres, críticos, ensaístas, designers, ilustradores, fotógrafos,
assessores de imprensa, executivos, vendedores, secretárias, motoristas e
motoboys) que tornaram possível tão longa e inesquecível jornada.
Abaixo, a capa de nossa última edição, que chega às bancas na segunda- feira: