POESÓ

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OU
POEMA





















quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

ESCADARIA

poematização de um conto-roteiro de Joca Reiners Terron

ILUSTRAÇÃO DE LUCIANO SCHIMITZ


Aqui começa a viagem para cima
Aqui começa a viagem para baixo
o flutuar no céu
o acomodar-se no subterrâneo
no coração de um buraco

Escadas não são apenas escadas
escalas para cima ou para baixo
escadas são verticais estradas
passagens para outras dimensões
Escadas não são apenas estratagemas
de ferro alumínio ou madeira
para subir ou descer
elevar ou cair
são também para transcender
num espaço limitado

Ajoelho-me diante de uma escada
e aproximo o ouvido do primeiro degrau
ouço passos
pode ser o lugar ideal até para um encontro de amor
Suave aproximação
e entre o intervalo de um degrau a outro
no vazio no som oco
ou no concreto no som indiscreto
posso encontrar oo conforto de um doce acolher

Piso numa escada e de repente
me vejo em outro plano
Posso despencar ao chão
atraído por tanta beleza
como um displicente colorido balão
Sentir a aspereza do solo
e mesmo assim ter a sensação
de resvalar no manto anil do céu
e deixo me engolir pelo doce algodão
de uma nuvem passageira

Antigos incas
acreditavam que escadas
eram os únicos meios
de se atingir o plano divino
mas não imaginavam
que o Deus que eles acreditavam
poderia descer pelo mesmo caminho
e colidir com eles
A escada é o ínicio e o fim 
[Image] Alguém sempre se acidenta
mas também se levanta
e espanta todas as lembranças da queda
Românticas fraturas
Escadas causam vertigens
mas provocam também atos de coragem
deixam vestígios colados
de uma fantasia de Homem Aranha
em ambos os seus lados
nos corrimões
que seguram receios
e deixam escorregar impetuosidades
A cada passo acima
eu sei que você se torna mais transparente
envolvente como uma nuvem
e reluzente mais do que a mais brilhante estrela
e só agora percebo
a ferida em meu joelho direito
[Image]
Estava mais fascinado com a flor
que você jogou sobre o meu peito
Lembro! veio dos seus lindos olhos
passou pelos seus lábios
e poliu todas as suas pétalas em seu sorriso

A ferida e a flor 
ambas tinham a forma de escada
simétricas ou helicodais
tinham rotas definidas
e inesperadas paisagens

A cada passo abaixo 
o tom de sua pele se intensifica
como um porto seguro repleto de faróis

O monumento de pedra mais antigo do mundo
é a pirâmide de degraus do Rei Zôster
em Saqqara no Egito
2665 anos antes de Cristo
Reza a lenda que o arquiteto Imhotip
desapareceu sem deixar pistas
é sempre assim: quando os reis 
aprontam alguma falcatrua
a culpa  sempre recaí nos alienígenas

Eu já lembro de uma escada recente
que usei para pintar
o mais lindo sonho de amor

Escadas se desdobram
em vários sentidos
conduzindo à outras dimensões

Eu nem seguro o muro
escorregadio das emoções
e me deixo cair em seus encantos

Dentro dessa escada
há uma outra escada
que não vejo

Com o tempo ela será visível
e talvez inalcansável caracol

A ferida nunca foi totalmente curada
mas a flor ainda não murchou
me sinto ainda preso aquela escada
sem sentir o peso de uma ilusão

Inútil fazer plástica para corrigir a cicatriz
e squecer a escada e fugir por algum frio elevador

Uma escada se esconde
em cada descuido
o contrário também pode ocorrer

As faces do degrau onde pisamos
se chamam espelhos em Arquitetura
As escadas de alguma forma
planas ou em claraboias
tem o poder de refletir
as nossas personalidades
determinando assim o destino
de cada um de nós

Escadas não somente servem
para subir ou descer
mas de transcender
de ser o acolher
mesmo antes de ser
fuga ou amor

Quando está tudo escuro
e não há ninguém por perto
bem devagarinho
e silenciosamente
as escadas começam a rolar
e podemos comprovar
que escadas não têm fim
ainda há D
                  E
                     G
                         R
                             A
                                 U
                                    S


Carlos Gutierrez

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